Eficácia dos testes para Covid-19 depende de investimentos em ciência e estratégias em saúde

Qual é a real dimensão do contágio pelo novo coronavírus no Brasil?

Ainda não há uma resposta eficaz que ajude as autoridades na implantação de políticas públicas de saúde no combate à Covid-19. As primeiras análises resultam de um estudo em fase inicial no Rio Grande do Sul. A Universidade Federal de Pelotas e o governo do estado fizeram um primeiro teste de amostragem com 4.139 pessoas em nove cidades, para verificar quantas já haviam adquirido anticorpos para o SARS Cov-2, vírus que provoca a Covid-19.

Baseado em referências estatísticas e de saúde, o estudo inicial concluiu que o Rio Grande do Sul pode ter 15 vezes mais infectados. A taxa de infecção apurada nas testagens é de 0,05%, que representaria 5.650 pessoas no universo populacional do estado. No período em que a testagem foi realizada, os números oficiais apontavam só 384. Não são dados definitivos, mas representam os mais confiáveis até aqui nas estimativas quanto à pandemia no país.

Testes semelhantes em nível nacional já estão sendo realizados, com apoio do Ministério da Saúde, diga-se, antes mesmo da mudança ministerial promovida pelo presidente Jair Bolsonaro. Os pesquisadores trabalham com amostragem, visto que não há como fazer testagem massiva em uma população de mais de 210 milhões de habitantes. O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta falava em 22,9 milhões de insumos para o mapeamento da pandemia no país. O problema é o processo de importação, visto que a demanda mundial oferece a concorrência de países com muito mais recursos financeiros.

Nelson Teich, substituto de Mandetta, diz que pretende envolver o SUS, a saúde suplementar e o empresariado para elaborar um programa a partir do qual se possa conhecer a doença e obter informações seguras para embasar decisões a serem tomadas. Defende, também, a integração das diferentes pastas do governo para buscar soluções mais amplas e a articulação com estados e municípios. Nada de novo na proposta, evidenciada algumas vezes pela equipe do Ministério da Saúde que dava suporte ao antecessor de Teich.

Há duas questões centrais no discurso no novo ministro da Saúde que evidenciam problemas aos quais o governo Bolsonaro tem sido pouco sensível, para dizer o mínimo. O primeiro é a falta de insumos e equipamentos para o enfrentamento da pandemia em escala razoável, considerada pelo próprio presidente como um exagero. O segundo, uma decorrência, o desmantelamento da ciência nacional em função dos insistentes continenciamentos em áreas estratégicas para o país.

No orçamento da união para este ano, por exemplo, os investimentos em pesquisa no Brasil já não eram promissores antes da pandemia. No final do ano passado, as previsões eram de R$ 13 bilhões para o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, um “contingenciamento” de 15%. Como o Brasil não tem condições de produzir em território nacional testes em quantidade suficiente para dar conta do desafio que enfrenta a saúde pública no país, a dependência de importação tornou-se uma dificuldade a mais.

O médico imunologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, Manoel Barral Netto, argumenta que o país precisa voltar a investir na ciência local para desenvolver os próprios recursos de enfrentamento à Covid-19. Uma vacina só deve estar disponível em 2022 ou “na melhor das hipóteses em um ano”. Até lá, as políticas públicas de saúde precisam contar com o trabalho de cientistas brasileiros. E a testagem em massa, mesmo que por amostragem, é um deles.

A transmissão pelo novo coronavírus pode se dar através de pessoas nas quais os sintomas ainda não estão evidentes ou que nem sabem que são portadoras, as chamadas assintomáticas. Por isso “os testes assumiram protagonismo”, explica o pesquisador. De um lado, oferecem proteção individual ao identificar tanto os que estão infectados, como os que já desenvolveram anticorpos para o vírus. De outro, também oferecem proteção coletiva, na medida em que conseguem identificar grupos específicos sobre os quais se pode adotar políticas de confinamento ou flexibilização mais assertivas.

A Agência Bori promoveu uma videoconferência com especialistas sobre imunologia e sequenciamento genético do vírus SARS Cov-2 para discutir possibilidades e limites dos testes para o novo coronavírus

Uma das hipóteses relativas ao comportamento do vírus SARS Cov-2 no Brasil é que ele está “rejuvenescendo”. Na maioria dos estados, a população mais jovem tem sido mais afetada. Isso não significa que a taxa de letalidade atinja em maior proporção a população cuja faixa etária estaria fora do grupo de risco. Ao mesmo tempo, os pesquisadores ainda não conseguiram responder com segurança se o clima mais frio pode influenciar no ritmo de contágio.

Uma das líderes do sequenciamento do genoma do novo coronavírus no Brasil e pesquisadora da Universidade Federal da Bahia, Jaqueline de Jesus alerta para o fato de que os testes ajudariam a “prever novos surtos” de Covid-19 e dominuiriam as incertezas no que diz respeito ao comportamento do vírus no país. “O que se sabe até agora é [o que se pode apurar] em tempo real”, cujos dados não são muito consistentes para fazer afirmações categóricas a respeito.

Jaqueline defende que não há como voltar à normalidade como a conhecemos. Por isso, as medidas de distanciamento social serão necessárias por um tempo ainda. Se há uma certeza entre os especialistas é a de que o surto do novo coronavírus ainda deve se repetir por mais uma ou duas vezes. Por isso os processos de testagem terão de ser repetidos tantas vezes quantas necessárias para que se consiga respostas efetivas na prevenção de novos surtos.

O problema é que só testar não basta. “Os testes precisam estar associados a programas de auxílio à localização e isolamento do vírus”, orienta Ester Sabino, coordenadora da equipe que sequenciou o genoma do SARS Cov-2 no Brasil. Nesse caso, os recursos de informática são importantes para auxiliar no registro de informações obtidas por agentes de saúde, especialmente nas regiões em que o estado está mais distante. Localizar infectados e imobilizar grupos potenciais de contágio fazem toda a diferença no cenário em que estamos.

São dois os tipos de teste que auxiliam no mapeamento e no controle da Covid-19. Um identifica o vírus no organismo, o outro a quantidade de anticorpos já desenvolvida por alguém que foi infectado. O primeiro, conhecido como RT-PCR, usa biologia molecular para testar pacientes com o vírus, mesmo antes de apresentar sintomas. Mas exige uma logística maior e é mais demorado. O segundo, sorológico, testa o sistema imunológico para verificar indivíduos que já têm anticorpos. Mais ráidos, não dependem de procedimentos complexos.

“São testes complementares”, explica o imunologista Barral Netto, e exigem ações integradas, envolvendo a vigilância ativa do sistema de saúde e a participação do pessoal de atenção básica. Além disso, precisam levar em consideração as condições locais, “quase microrregionais”, segundo Barral Netto, para se tornar eficazes. O Brasil é muito grande e o vírus se comporta de acordo com as características de cada região. O governo federal terá de articular ações com governos de estado e prefeituras para combatê-lo.

O fator tempo é também determinante. O teste sorológico, por exemplo, é mais eficaz depois que o paciente, já confirmado com coronavírus, tenha condições de mostrar defesa imunológica. Os especialistas propõem entre 10 e 14 dias depois do aparecimento dos sintomas. As alternativas, segundo a pesquisadora Ester Sabino, podem ser usar o teste de biologia molecular (o RT-PCR) para identificar pessoas infectadas e os sorológicos para identificar nas pessoas que tiveram contato com infectados as que já desenvolveram anticorpos. “O foco é em projetos que orientem como testar e como avaliar os resultados”, argumenta.

Existe a pressuposição de que as pessoas com defesa imunológica ao vírus tenham algum tempo de proteção. Casos de reinfecção não apresentam ainda evidências de que sejam por deficiência imunológica. As hipóteses, de acordo com a pesquisadora Jaqueline de Jesus, são de que ou o vírus foi reativado nesses pacientes ou eles não desenvolveram anticorpos suficientes. “Não há evidências concretas sobre isso”, o que reafirma a importância dos testes.

De concreto, para os pesquisadores, é que os testes “em massa” precisam de estratégias que fortaleçam as políticas de saúde. Para uma doença que ainda não chegou ao pico epidemiológico e deve apresentar novas ondas de contágio, informações de qualidade fazem toda a diferença para se determinar formas de conter o vírus.

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