Espaços para a docência em educação permanente

Na coexistência dos lugares e não-lugares, o obstáculo será sempre político (Marc Augé)

Luciano Bitencourt e Maria Juliani Nesi

Marc Augé (1994) descreve como não-lugares os lugares em que não se pode reconhecer a identidade dos que o ocupam, suas relações e a história que compartilham. Podemos dizer que são “lugares de ocupação”  e como tal são instantâneos, circunstanciais. Para Augé, o não-lugar se opõe ao lugar antropológico que é constituído pelos percursos possíveis de quem vive na história desse lugar, dos discursos pronunciados nele e de sua linguagem própria. Num extremo, as “tensões solitárias” dos passantes em constante movimento, sem vínculo algum com o que os cerca, a não ser com o próprio movimento; no outro, o “social orgânico” em sua extensão e grandeza temporal organizado justamente pelos múltiplos movimentos comprometidos com o espaço.

Os não-lugares “não integram nada, só autorizam, no tempo de um percurso, a coexistência de individualidades distintas, semelhantes e indiferentes umas às outras” (AUGÉ, 1994: 101). Eles sufocam as utopias por existirem e não abrigarem uma “sociedade orgânica”. Nos não-lugares as pessoas estão sempre sós, mesmo junto com os outras. As relações são contratuais, representadas por símbolos que identificam os indivíduos e os autorizam em seus deslocamentos.

De certa forma, os diplomas e titulações ganharam hoje esse status no campo da educação, tornaram-se uma espécie de passaporte social que identifica e confere privilégios ao portador, e cada vez menos sustentam para todos um “social orgânico” constituído pelos deslocamentos no percurso de uma construção coletiva, de vínculos afetivos e regras de convivência intrínsecas. Diplomas e titulações parecem mais simbolizar as “tensões solitárias” dos lugares de ocupação compromissados com a trajetória na busca por objetos de desejo para consumo próprio.

A educação enquanto espaço mostra-se pontuada por figuras inscritas na memória dos passantes. Não há lugares nesse espaço, a não ser simbolizados por imagens instantâneas que pontuam o tempo de um percurso. Significa dizer que é para os símbolos que o percurso está organizado e não para a consolidação do espaço.

Essa discrepância está associada à ideia de que, com a expansão do setor de ensino privado[1], especialmente o de nível superior, a educação vive um paradoxo: ao mesmo tempo em que os índices crescentes de acesso ao sistema de ensino estão associados aos princípios de democracia e de justiça social, tal elevação já não é uma exigência unicamente econômica e, por isso mesmo, o setor se transforma numa nova área de negócios. Por um lado, a educação está vinculada a critérios de desenvolvimento econômico e aumento de produtividade, hoje estimulados mais pelo mercado do que pelo Estado; por outro, as perspectivas de mobilidade social e melhoria de renda individual significam a possibilidade de acesso aos bens culturais e a tecnologias que ultrapassam as necessidades mais básicas. No Brasil, essa expansão desmedida e desassociada a critérios de avaliação mais consistentes quanto às potencialidades da educação superior no país é mais evidente, pois

o sistema se move evidenciando tendências de rompimento com padrões estabelecidos e consagrados, porém não mais eficientes tanto na perspectiva dos sistemas produtivos quanto na perspectiva das aspirações culturais ou geracionais – as duas principais forças propulsoras da expansão do ensino superior. Do lado do mercado de trabalho, há as novas exigências de qualificação profissional (novos conteúdos, novas profissões, etc.), do lado das aspirações culturais há o fator do acesso ao ensino superior como elemento novo na cultura juvenil (primeiro nas classes médias, mas que também opera em mimetismo sobre as camadas menos favorecidas) – o ensino superior passa a ser objeto de desejo – grifo dos autores. (PORTO & RÉGINER, 2003: 66).

Como objetos de desejo, ensino superior e escolha profissional são interdependentes e complementares. Os estudantes recém-saídos do Ensino Médio, ainda muito novos, mostram-se despreparados para fazer escolhas tão importantes; cada profissão tem características próprias quanto à empregabilidade e os níveis salariais decorrentes, o que, nas atuais circunstâncias sócio-econômicas, exerce influência sobre os processos de escolha no contexto educacional; não se pode esquecer também que não há mais certeza sobre as competências exigidas pelo setor produtivo; além de várias outras razões inerentes à contemporaneidade que poderiam ser listadas aqui. Importa, contudo, reconhecer que mais e mais, como argumenta o professor Renato Janine Ribeiro (2003), as carreiras profissionais fazem uma “trajetória em diagonal”, constroem um sentido que parte de uma atividade entendida como originária e percorre um “itinerário profissional” afastado do diploma.

Nesse contexto, de incertezas e ansiedades, de necessidade de escolhas constantes, o Ensino Superior assumiu uma multiplicidade de funções, ainda que as três finalidades básicas – pesquisa, ensino e extensão – permaneçam desde os anos 60. Tais funções decorrem das demandas oriundas dos projetos de desenvolvimento econômico e de luta democrática por justiça social, como já enfatizado. No âmbito mundial, em 1987,

o relatório da OCDE sobre as universidades atribuía a estas dez funções principais: educação geral pós-secundária; investigação; fornecimento de mão-de-obra qualificada; educação e treinamento altamente especializados; fortalecimento da competitividade da economia; mecanismo de seleção para empregos de alto nível através da credencialização; mobilidade social para os filhos e filhas das famílias operárias; prestação de serviços à região e à comunidade local; paradigmas de aplicação de políticas nacionais (ex. igualdade de oportunidades para mulheres e minorias raciais); preparação para os papéis de liderança social (OCDE, 1987: 16 e ss.) (SOUZA SANTOS, 2003: 189).

Já o artigo 43 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96), ao tratar das finalidades da educação superior, fundamenta a amplitude do papel das Instituições de Ensino Superior no Brasil. Essa amplitude precisa ser percebida como estruturante da diversidade proposta pelo sistema de ensino. Pela LDB, a Educação Superior tem por finalidade:

  • estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;
  • formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;
  • incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;
  • promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;
  • suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;
  • estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;
  • promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e dos benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.

Diante de tantas funções, há dois níveis de questionamento quanto à relação educação-trabalho na atualidade, segundo Boaventura de Souza Santos (2003). Em primeiro, a correspondência entre titulação e ocupação é instável e sua relação em geral não é de complementaridade. Enquanto a estrutura rígida da universidade não consegue acompanhar os movimentos rápidos do mercado, o sentido de eficácia do setor produtivo não contempla uma sólida formação humana. O segundo nível, mais profundo, consiste em dois aspectos básicos e importantes: educação e trabalho são entendidos como concomitantes no contexto das profundas transformações nos processos produtivos e por isso se fala em formação continuada como sinônimo de educação permanente; e o investimento na formação não é mais entendido como investimento direto num emprego específico.

Por tais razões, evidencia-se a necessidade de uma mudança concreta quanto à ideia de que o espaço social de ensino-aprendizagem é um lugar de passagem, de relações meramente contratuais representadas simbolicamente por certificações que legitimam e autorizam o deslocamento dos passantes em busca de objetos de desejo. O espaço social em questão constitui-se num lugar para se estar nele, cuja direção e os resultados do processo de formação e das condições de possibilidade precisam ser constantemente negociados.

A docência caracteriza-se, nessa concepção, como lugar de articulação entre os múltiplos saberes e de movimento por áreas e campos cujo percurso não pode mais se dar pela cristalização de determinados conhecimentos nem pela mera instrumentalização de saberes técnico-profissionais. A universidade passa a se constituir em lugar de circulação onde a atuação docente se insere em um processo de formação e construção coletiva de conhecimento; lugar, portanto, epistemológico. Contribuir para a formação ao longo de toda a vida pressupõe perceber as várias dimensões inerentes a esse processo e não mais, somente, o mercado de trabalho a ser ocupado pelos egressos, e os níveis de empregabilidade sob demanda.

A ideia de educação permanente não é nova. A discussão em torno do tema ganhou maior importância a partir do Século XX, quando a finalidade do ensino, principalmente o chamado superior, parece vincular-se exclusivamente aos fundamentos que consolidaram a ciência como fonte de progresso e, ao mesmo tempo, de exclusão. O termo “permanente” aparece, em muitos aspectos, como redentor de um processo de aprendizagem fragmentado e focado no conhecimento tecnológico. Neste sentido a educação permanente se justifica tanto pela dinâmica dos avanços científicos que requerem dos estudiosos constante investigação e atualização, como pela necessária capacitação continuada dos trabalhadores do setor produtivo, decorrente da incorporação que a indústria faz dos avanços científicos transformados em tecnologia.

Enquanto conceito, o termo sugere uma complexidade de interpretações cujo valor está justamente na abertura de múltiplas escolhas, seja quanto ao tempo de formação, quanto ao espectro de conhecimentos abarcáveis nesse tempo e aos métodos de aprendizagem possíveis. É possível afirmar que a educação permanente caracteriza um percurso que, embora emerja em essência das relações entre as pessoas, e por isso dependa de fatores incidentais, de idiossincrasias e de pontos de conexão não previstos, é afetado pelas condições materiais e sócio-históricas dadas e pela vontade consciente da pessoa. Neste sentido, a permanência implica duração em si do processo educativo e não ritmo que pode ser ininterrupto, continuado ou com intervalos ou com paradas contingentes decorrentes das trajetórias individuais.

Em síntese, a educação deve seguir ao longo de toda a vida humana, independente de tempo e lugar para isso. E deve integrar o quanto possível todos os níveis de aprendizagem, processos de formação, modalidades e métodos de ensino, além de permitir a criação de novas condições de possibilidade quanto ao acesso e à freqüência.

A Educação Permanente é, primeiramente, um discurso relativo à educação em geral, cuja importância na sociedade não é questionada; muito pelo contrário, atribui-lhe um papel primordial e decisivo, seja para adaptar os indivíduos à essa sociedade, seja para transformá-la. Os autores estudados estão de acordo quanto à necessidade, ao papel, à possibilidade de uma educação cuja característica mais eminente é que ela prossegue durante toda vida. Ao consenso relativo sobre importância da educação, acrescente-se o consenso relativo concernente à sua extensão (GADOTTI, 1981: 66).

O principal desafio é elevar a proposta a um nível de interpretação que supere a ideia de projeto. A educação permanente precisa estar ligada a outro “sentido praxeomórfico[2]” de universidade. É como lugar epistemológico de construção que a proposta deve chegar. Enquanto projeto, fica confinada ao contexto administrativo de construção dos meios para se chegar a este fim. E o ambiente gerencial das organizações contemporâneas tende a perpetuar as concepções de eficácia pela ordem do planejamento criativo e inovador; criativo pela projeção e controle das variáveis, inovador pelo volume e eficácia dos meios, sem mudanças estruturais no processo. São, portanto, as normas administrativas e suas metas político-econômicas que, via de regra, definem o sentido do espaço social (também o de aprendizagem) proposto numa instituição de ensino. No atual modelo, as relações exclusivamente comerciais, características da sociedade industrial e tecnológica, requerem uma certa neutralidade emocional típica da convivência com estranhos, e de indivíduos desvinculados do espaço social potencialmente aberto mas ainda vazio. Espaço rico mas ainda desprovido de conteúdos relacionados a tempo e circunstância.

Nessa perspectiva, as dificuldades traduzem-se também e principalmente nos modelos disponíveis para oferta de produtos e serviços educacionais decorrentes. O entendimento de currículo ainda está estruturado sobre uma projeção, pressupõe a intervenção constante no real para controle das variáveis previstas, de modo ainda pensado como no modelo industrial fordista[3] (mesmo que com diferenças evidentes): o entrelaçamento dos opostos[4] ensino e aprendizagem se dá pela intervenção do primeiro sobre o segundo, pela projeção do primeiro sobre o segundo, pela sobreposição do primeiro em relação ao segundo. O fato é que ainda há uma cesura que hierarquiza o espaço cognitivo da vida acadêmica, no qual a ideia de aquisição e distribuição de conhecimentos não oferece contiguidade nem intercâmbio. As críticas ao modelo focam-se na fragmentação do conhecimento, mas é a própria hierarquia estabelecida na aquisição e na distribuição do conhecimento que fragmenta o espaço social de aprendizagem, numa relação entre estranhos em que o conhecimento adquire valor de troca.

Ainda fruto do modelo fordista, um “lugar epistemológico” específico de construção de mundo, todos os “produtos e serviços” educacionais que se propõem a um tipo específico de formação o fazem mais ou menos do mesmo jeito. Os sistemas de controle e mensuração de desempenho são replicados de tal modo que a qualificação desses “produtos e serviços” atende aos padrões ditados por “especialistas” em todas as instâncias do sistema educacional; as respostas a esses padrões ficam enclausuradas nas variáveis passíveis de controle. A profanação desse ambiente sacralizado por rituais tecnocráticos é um risco que pode custar o não-reconhecimento ou o descredenciamento de qualquer instituição do sistema. Contudo, esse tipo de comportamento está muito mais relacionado ao medo de agir do que propriamente à censura externa[5]. Pensar em currículos de vida, portanto, como sugere a educação permanente, gera o desconforto de mexer com estruturas já reconhecidas e aceitas sem a necessidade de grandes esforços. O medo da abertura aos espaços não preenchidos e ainda não reconhecidos é o que motiva a clausura aos padrões de vida acadêmica e seus lugares de conforto.

Desnecessário dizer que dessa prática e conseqüente modelo mental não há como pensar novas composições curriculares. Os cursos, especialmente os de graduação no contexto das universidades, ainda são estruturados pelo viés do lugar de ocupação do egresso no “mercado”, que hoje seduz pelo consumo e não mais pela capacidade de produção. Seus projetos se constituem de espaços disciplinares delimitados pelo lugar de ocupação dos docentes numa grade de conteúdos distribuídos por nichos de conhecimento específicos e agrupados em disciplinas curriculares que fragmentam ainda mais o conhecimento já dividido pelas tradicionais disciplinas científicas. Em geral, os projetos de implantação desses cursos consistem em, pedagogicamente, unir esses conhecimentos específicos das disciplinas curriculares num fluxo de informações capaz de garantir o aprimoramento de habilidades e competências exigidas pelo mercado e pela sociedade[6].

Assim, os conteúdos se transformam em finalidade da ação educativa e não em meios para o desenvolvimento das competências requeridas na contemporaneidade como também dos atributos necessários para que a pessoa se realize como trabalhador e como indivíduo que se constrói na coletividade. E o professor, por sua vez, não é identificado pelas competências, habilidades e conhecimentos que amealha no decorrer de sua trajetória formativa e laboral, mas pelos conteúdos específicos que seus títulos e diplomas supostamente lhe habilitam a ensinar.

É inegável que diante da extensão e profundidade do conhecimento produzido pela humanidade no decorrer da história, em certo momento fez-se necessária a organização e a classificação desse conhecimento de modo a possibilitar o avanço das pesquisas que ampliam o conhecimento sobre a realidade, e deixar para futuras gerações roteiros sistematizados do caminho percorrido. Para aprofundar o conhecimento sobre cada um dos objetos pesquisados foi necessário realizar delimitações quanto a sua extensão, ficando o objeto subdividido e com ele as áreas de estudo e os estudiosos cada vez mais especializados. A organização e a classificação do conhecimento, feitas a partir da natureza do objeto de pesquisa e da perspectiva adotada para estudá-lo, portanto, traçam os limites entre os diversos campos de estudo e fixam os estatutos de cada disciplina científica. Ainda que, no âmbito da produção científica as disciplinas definam seu objeto de maneira menos simplista e se desdobrem em especialidades menores.

Além disso, as disciplinas científicas constroem modelos sugeridos a partir da observação criteriosa da realidade. Eles substituem os fatos e permitem à ciência melhor estabelecer relações entre fenômenos, antecipá-los e predizê-los. Porém não sem prejuízos como afirma Bertalanffy (1976, p.266):

São bem conhecidas as vantagens e os perigos dos modelos. A vantagem é o fato de que este é o modo de criar uma teoria, isto é, o modelo permite deduções a partir de premissas, explicações e previsões muitas vezes com resultados inesperados. O perigo é o excesso de simplificação. Para torná-lo conceitualmente manejável, temos de reduzir a realidade a um esqueleto conceitual, o que deixa de pé a questão de saber se procedendo dessa maneira não cortamos partes vitais da anatomia. O perigo da excessiva simplificação é tanto maior quanto mais variado e complexo for o fenômeno. Isto se aplica não somente às “grandes teorias” da cultura e da história mas aos modelos que encontramos em qualquer revista de psicologia ou sociologia.

Quando se desvia o olhar do objeto ou se deixa o modelo para retomar o fato que lhe deu origem, no entanto, revelam-se as relações entre as diversas áreas do conhecimento e os limites disciplinares se relativizam. Abstraídos de suas particularidades e de seus contextos específicos, os objetos do conhecimento e os conhecimentos que constituem as disciplinas científicas tendem a se unir num todo harmônico que somente em sua dinâmica viva pode fornecer as explicações gerais sobre os fenômenos da realidade. É cada vez mais comum que ao se confrontar com os problemas reais os especialistas precisem superar o modelo teórico estudado e buscar as representações de campos disciplinares distintos.

Do mesmo modo o professor que é formado segundo um modelo tradicionalmente disciplinar e fragmentado precisará, em seu campo de atuação e especialmente para o exercício da docência, analisar o contexto em que precisa agir à luz de conceitos diversos, buscando em outras ciências representações que superem as lacunas deixadas por seu conhecimento especializado. Isso não significa que as disciplinas científicas sejam prescindíveis para a formação universitária e a docência. Para os parâmetros de que dispomos, os limites entre os diversos campos de estudo são necessários sob pena de tornar o conhecimento uma empreitada inviável. No entanto, eles nos indicam que não são naturais, são metodológicos e até arbitrários se comparados à complexidade da vida humana; e que devem ser relativizados para a compreensão da realidade em sua complexidade.

Propostas de caráter interdisciplinar têm sido criadas e apontadas como a condição, por excelência, para melhoria da qualidade do ensino, mas sem clareza conceitual do próprio termo ou do problema que pretendem solucionar a maioria dessas propostas sucumbe sem ser assimiladas como modelos didáticos consistentes.

É interessante perceber que, via de regra, pouquíssimos docentes têm o domínio pleno do currículo em implantação, o que é exigido do egresso através de estratégias de controle e mensuração de desempenho, intra e extra-institucionais. Em outras palavras, como preconiza Tomaz Tadeu da Silva (1999: 148 e150) é

apenas uma contingência social e histórica que faz com que o currículo seja dividido em matérias ou disciplinas, que o currículo se distribua seqüencialmente em intervalos de tempo determinados, que o currículo esteja organizado hierarquicamente… É também através de um processo de invenção social que certos conhecimentos acabam fazendo parte do currículo e outros não. (…) Com a noção de que o currículo é uma construção social aprendemos que a pergunta importante não é “quais conhecimentos são válidos?”, mas sim, “quais conhecimentos são considerados válidos – grifo do autor.

A contingência social e histórica, o “lugar epistemológico” de construção desses processos, também fragmenta as atividades docentes para atender e legitimar lugares de ocupação no contexto das Instituições de Ensino Superior, especialmente as que dependem de financiamento privado. A docência fica refém da abertura ou não de cursos, do fechamento ou não de turmas para a composição de carga horária. E para complementar essa carga horária, as aulas somam-se, de preferência em primeiro plano, a um rol de atividades que envolve também a pesquisa e a extensão. Indo um pouco mais adiante, o professor Silvio Botomé (1996) traça o que, tradicionalmente, configura o perfil de docente nas IES:

  • Técnico e especialista em um campo de trabalho;
  • Pesquisador ou cientista em uma área do conhecimento;
  • De nível superior, capaz de ensinar e preparar para tarefas complexas da sociedade;
  • Administrador de funções as mais diversas no meio acadêmico;
  • Escritor que atende a uma demanda de publicações para manter seu status.

Quanto maior o domínio sobre o volume e a eficácia dos meios que constituem esse perfil, maior o capital político, na expressão de Botomé, que garante o docente no lugar de ocupação institucional. A distribuição de carga horária se dá em função desse capital político, que depende do reconhecimento nas mais variadas instâncias de poder que constituem o corpus universitário. Do ensino à pesquisa, há uma escala de valores que configura o espaço acadêmico; do mesmo modo que um rol de funções operacionais, táticas e estratégicas identificam o grau de importância do lugar de ocupação no sistema administrativo. Em outras palavras, há circunstâncias em que o distanciamento das atividades de ensino, especialmente o de graduação, em detrimento do tempo para a pesquisa  é sinal de maior status docente no lugar de ocupação do sistema acadêmico. Melhor dizendo, não basta ao docente demonstrar competência nas tarefas para as quais está designado; tal competência deve estar legitimada pelo próprio sistema, de acordo com as normas e preceitos determinados pelas instâncias de poder que o compõem. Assim, o volume e a eficácia dos meios que o docente precisa dominar dependem de sua participação como “usuário” do sistema, não como protagonista. Reverência excessiva às normas e aos critérios de avaliação dela advindos faz da docência também um trabalho tecnocrático, mensurável pela quantidade de ações decorrentes.

No debate mais amplo sobre formação do(a ) professor(a), parece sempre estar presente essa ideia de que ele(a) deve à instituição alguma coisa. Pode ser tempo, dedicação, esforço, títulos, planejamentos, ementas, obediência. Penso que dessa lógica é preciso se libertar, para poder pensar de uma forma nova as políticas de formação, certamente mais abertas e arejadas, para poder considerar os diferentes tipos e estilos de docentes sem aprisioná-los em um formato único definido como “docente institucional”. Olhar para essa paisagem maior implica estar disposto a dar um outro lugar para o(a) docente, construir uma dimensão estética que consiga reencantar os sujeitos implicados pelo ambiente acadêmico e pelo processo de aprendizagem, para que possam, coletivamente, mobilizar-se para a busca de um compromisso novo com a sociedade no que diz respeito à educação – grifos da autora (HARDT, 2004: 10).

A pesquisadora Lúcia Hardt (2004) chega a essa conclusão depois de analisar o espaço da sala de aula em suas relações. Como espaço social, esse ambiente ainda é carregado de ordem e solenidade, com “sistemas normativos, regulamentos, diplomas, portarias e pareceres”. Nesse ambiente o docente não reconhece outros modos de administrar o espaço, que não o de obediência aos ditames. Para a pesquisadora, em função dos protocolos aos quais os docentes tendem a seguir não há, muitas vezes, lugar privilegiado para o aprofundamento dos conteúdos; e a docência, segundo ela, não dá conta dos alunos “interessados, cheios de curiosidade e com desejo de aprender”. Mas o que caracteriza o espaço social na sala de aula? Com o reconhecimento de algumas transgressões pontuais quanto à “política de verdades” institucional, a pesquisadora enumera algumas tendências básicas quanto aos “fios que tecem a docência”:

  • Esquemas lineares e geométricos de distribuição de saberes;
  • Negação da ambivalência em detrimento do desejo da ordem;
  • Discurso oriundo da ordem institucional;
  • Defesa dos saberes legitimados pela lógica do currículo e pela própria competência.

Mike Featherstone (2000) nos fala de um desafio ainda mais difícil de superar por conta de “convenções e pressupostos tácitos que aprendemos a usar sem questionar”. Segundo ele, “a potencial democratização dos meios de produção e consumo intelectuais” e a “dessacralização do conhecimento intelectual e acadêmico”, hoje vistos como uma ameaça, podem constituir uma oportunidade de quebrar “o ciclo da aprendizagem e da pesquisa” fragmentadas. Featherstone sugere que outras formas de expressão do conhecimento científico podem amenizar o processo de exclusão decorrente dos ideais elitistas do ensino superior. Para ele, o grande dilema é criar abertura para formas “pós-escritas” e “pós-simbólicas” de expressão no contexto da docência. De fato, o sistema ainda resiste em aceitar trabalhos acadêmicos de iniciação científica expressos em textos com material sonoro e visual incorporados, por exemplo. Na concepção de Featherstone “desenvolver habilidades de editar, de desenhar, de manusear imagens, filmes e música assim como textos” será condição primordial no processo de aprendizagem, desde que haja o cuidado para que seus resultados não fiquem circunscritos a um “trivial edutenimento[7]”. Desnecessário dizer que outras formas de expressividade podem permitir a fruição a um espaço estético diferente do que fundou a racionalidade técno-científica.

Pode ser que alunos elaborando uma tese de doutorado não escrevam 80 mil palavras e não entreguem um grosso volume encadernado, mas entreguem, sim, um disquete ou CD ROM que contenha material multimídia. Parte da habilidade que eles terão de demonstrar será de modelar, fazer modelos multimídia que iluminem a matéria escolhida a partir de uma série de direções e apresentem uma “resposta” multidimensional à pergunta que eles fizeram a si mesmos, tanto num modelo feito de texto como de imagens. A tese torna-se algo no qual podemos literalmente, ou devemos dizer simultaneamente, entrar. Ela é construída num espaço visual, num ambiente ou mundo virtual, no qual dados textuais, imagísticos, orais e musicais são incorporados (FEATHERSTONE in SANTOS FILHO & MORAES, 2000: 92 e 93).

Esse desafio não diz respeito apenas à sala de aula e suas relações de aprendizagem. Partindo do princípio de que a instituição universidade se diferencia das demais instituições sociais pela capacidade de transformar em patrimônio coletivo os múltiplos conhecimentos existentes, Silvio Botomé (1996) entende que ensino, pesquisa e extensão são atividades de um fazer humano que dá sentido e significado a esta instituição específica. Estrutura-se numa práxis que reconhece os múltiplos fazeres, não apenas o lugar de ocupação dos espaços estruturados para esse fim. Em suma, a socialização do conhecimento científico é pensada, tradicionalmente, pela divulgação de projetos inovadores, recém-descobertos. E a divulgação de ciência vibra na mesma freqüência da hierarquização dos espaços de aprendizagem; ambas estão para um lugar de ocupação antecipadamente destacado em relação aos demais. As premissas expostas por Botomé abrem uma outra perspectiva para a docência que insere no fazer humano e nas relações do espaço social acadêmico (aqui não só o de aprendizagem) as condições de possibilidade. A extensão universitária é resultado de ensino e pesquisa comprometidos com esse espaço social e a exigida indissociabilidade é inerente a esse compromisso.

Até aqui propõe-se evidenciar que a concepção de Educação Permanente não deve se pautar por lugares de ocupação pré-estabelecidos. Talvez, no caso das universidades brasileiras, a mudança mais paradigmática esteja na dinâmica dos fluxos pelos quais fluem os processos que constituem a identidade institucional. O espaço social hierarquizado pelos níveis de conhecimento e de resposta aos problemas que nos afetam deve ser substituído. Pierre Musso (2004) alerta, entretanto, para a existência de um espaço social constituído de conexões permanentes em que os “passantes” estão sempre mergulhados em fluxos. É necessário que se configure o espaço; que suas dimensões, mesmo que tênues, expressem uma área quantificável, possível de perceber. E é sobre os limites dessa área quantificável que recai nossa responsabilidade: um espaço social hierarquizado tem um mapa pronto, projetado por especialistas; um espaço social aberto precisa ser cartografado e suas fronteiras negociadas, sobrepondo-se os vários “níveis de terreno” (terreno percorrido e a percorrer) numa só configuração. O primeiro é dado, o segundo é vivido.

Se, como diz Bruno Latour (2204), o “domínio erudito” não é exercido diretamente sobre os fenômenos, mas “sobre inscrições que lhe servem de veículo”, a Educação Permanente ainda depende de estruturas factíveis que lhe sirvam de parâmetro. As leis, os aspectos políticos e econômicos e, sobretudo, as demandas sociais são contemporâneas desses ideais transformadores no campo da educação. A Educação Permanente parece depender de recursos que mapeiem constantemente o espaço social acadêmico em suas relações. E a fruição para essa nova dimensão passa pelo entendimento de conceitos que já sustentam o atual modelo mas que podem ser reinterpretados sem ferir as leis que lhes dão legitimidade. Tais conceitos devem nortear ações que promovam o equilíbrio entre o “capital intelectual” que compõe o espaço social acadêmico e o “capital político” dos lugares de ocupação numa escala de valores (BOTOMÉ, 1996).

Ao tratar de duas concepções distintas para caracterizar proposições de formação no ensino superior, a legislação brasileira abre espaço para o repensar sobre a educação na contemporaneidade. Fundamentalmente, os aspectos mais importantes dizem respeito ao conceito de educação continuada. A questão central é a fragmentação, não só de conteúdos, mas dos processos de formação. Há uma tendência, construída na tradição disciplinar, de se pensar currículos a partir dos fluxos (na verdade grade de disciplinas) expressos nos projetos pedagógicos. É para esse fim que áreas de conhecimento e campos de saber, hoje, são classificados. Mas a abrangência destes termos extrapola o referencial semântico ora adotado. Dizendo de outro modo, áreas de conhecimento e campos de saber são dimensões de um processo que as confinou em formas de legitimação de certificações, pela cesura entre ensino e pesquisa[8] e pela suposta superioridade do conhecimento científico sobre os múltiplos saberes.

Pautada pelos ideários de flexibilidade, interdisciplinaridade e pela democratização do acesso ao ensino de nível superior, a Lei 9.394 (Lei de Diretrizes e Bases) instituiu em 1996 o termo campo de saber como pressuposto para a criação de cursos de complementação de estudos e de formação específica, interpretados como não-acadêmicos. Um dos objetivos mais evidentes era a promoção de acesso ao sistema para pessoas com outros interesses, que não os de formação acadêmica tradicional (seja por opção ou por falta de recursos). A ideia de campo de saber fora claramente usada para estabelecer uma diferença em relação às áreas do conhecimento humano, consolidadas como base para as diretrizes dos cursos de graduação e stricto sensu e de forte valor acadêmico.

A diferença conceitual entre áreas de conhecimento e campos de saber está evidenciada no parecer da Câmara de Educação Superior 968/98. O termo área do conhecimento “é nomenclatura abreviada” de um conceito já presente na Lei Universitária 5.540, de 1968, ainda em vigor. O artigo 11 da Lei Universitária estabelece os critérios de organização da universidade; a alínea “e” do artigo citado aponta como critério “a universalidade de campo, pelo cultivo das áreas fundamentais do conhecimento humano, estudados em si mesmos ou em razão de ulteriores aplicações e de uma ou mais áreas técnico-profissionais” (grifos nossos). Foram sucessivas as regulamentações que, gradualmente, deram sentidos novos ao termo. A mais recente está expressa na Resolução 2/94, do já extinto Conselho Federal de Educação (CFE). No artigo 7, parágrafo 3, inciso 4, o documento fundamenta que as “áreas fundamentais do conhecimento humano compreendem as ciências matemáticas, físicas, químicas e biológicas, as geociências e as ciências humanas, bem como a filosofia, as letras e as artes”. Note-se que os termos filosofia, letras e artes estão destacados, como forma de evidenciá-los num contexto em que as ciências consolidam a base da classificação. As áreas de conhecimento, portanto, se fundamentam pelo viés epistemológico, de cunho científico, e que foram tomando forma ao longo da implantação do Sistema de Ensino Superior no Brasil. Interessa compreender, contudo, que o conhecimento humano também é composto pelo conhecimento científico; mas não só.

Atualmente, são dois os sistemas de classificação mais conhecidos, ambos utilizados para fins e com metodologias diferentes. O do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) reconhece (a partir do cenário proposto pelos projetos de pesquisa que engendraram os atuais “produtos e serviços” acadêmicos) oito grandes áreas, divididas em áreas e subáreas. Uma nova tabela foi divulgada em 2005 e atualmente ainda é entendida como “versão preliminar”[9]. A comunidade científica permanece no debate quanto aos parâmetros que levaram à comissão de especialistas composta pelas três agências de fomento a fazer a proposição.

Para efeito de estudo da nova tabela, o documento que justifica a nova proposição traz o conceito de área como “unidade básica de classificação”. Dito de outro modo, preocupa-se com o lugar de ocupação das epistemologias num sistema de ordenamento dos saberes instituídos e cientificamente legitimados. É pelo “conjunto de conhecimentos interrelacionados, coletivamente construídos, reunido segundo a natureza do objeto de investigação com finalidades de ensino, pesquisa e aplicações práticas[10]” que o sistema se configura por áreas de conhecimento. A “aglomeração de diversas áreas de conhecimento, em virtude da afinidade de seus objetos, métodos cognitivos e recursos instrumentais refletindo contextos sociopolíticos específicos” configura as grandes áreas, cuja finalidade é facilitar a visualização das 84 unidades hoje identificadas, somadas as tabelas da CAPES e do CNPq. Por sub-área, entende-se a “segmentação da área do conhecimento, estabelecida em função do objeto de estudo e de procedimentos metodológicos reconhecidos e amplamente utilizados”; enquanto especialidade é a “caracterização temática da atividade de pesquisa e ensino. Uma mesma especialidade pode ser enquadrada em diferentes grandes áreas, áreas e sub-áreas”[11]. Pelas definições, pode-se apreender que o sistema leva em consideração singularidades acadêmicas pautadas pela organização do conhecimento científico.

O outro sistema tem sido usado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) para classificar os cursos de graduação no Censo da Educação Superior desde 2000. A lógica de composição deste outro sistema tem a ver com as disponibilidades de oferta de cursos nos níveis de graduação e lato sensu. O INEP tem como base o modelo de negócios estruturado pelos campos de atuação profissional e as diretrizes curriculares que regulamentam a criação, a avaliação e o reconhecimento de produtos e serviços acadêmicos organizados por áreas gerais, áreas detalhadas, programas e/ou cursos. Ainda que os sistemas das agências sejam diferentes, o termo área é usado como unidade de classificação para ambos: um com viés para a investigação científica, outro para o ensino.

Já a definição de campo de saber aparece na página 8 do parecer CES 968/98: “um recorte específico de uma área do conhecimento, ou de suas aplicações, ou de uma área técnico-profissional ou, ainda, uma articulação de uma ou mais destas”. Os documentos que o adotam estão relacionados à proposição de cursos sequenciais ou de lato sensu, sobretudo especialização. Tratados como complementares, de menor duração e em regime especial de oferta, eles têm por base campos de saber justamente para que não se permita a criação de cursos com esta característica em substituição aos de graduação. Suas certificações e diplomas, portanto, têm menor “valor” acadêmico, ainda que reconhecidos como de nível superior. Não há sistema de classificação previsto para os campos de saber, justamente pela sua dinâmica de articulação.

Um “campo de saber” pode ser entendido como uma proposta curricular que esteja inserida no corpo de saberes de uma determinada área do conhecimento, ou como uma proposta interdisciplinar que utilize conhecimentos buscados em diferentes áreas mas que podem compor um conjunto articulado e sistemático para a formação acadêmica e profissional. Se pudéssemos fazer uma analogia simplificadora, poderíamos afirmar que um “campo de saber” é um subconjunto de saberes advindos de uma ou mais áreas do conhecimento, que são reconhecidas tradicionalmente nos cursos de graduação (MARTINS, 2004: 54).

Relacionar áreas de conhecimento e campos de saber depende das possibilidades de configuração ao alcance. Genericamente, esses conceitos estão à margem das discussões sobre a elaboração de “produtos e serviços” acadêmicos. Quando muito, são utilizados para definir um lugar de ocupação para as proposições educacionais. Essa vertente taxológica, posteriormente, consolida os processos de avaliação que mantêm ou não as proposições em andamento. Interpreta-se que um curso, qualquer que seja, já tem seu lugar definido no sistema de classificação. E é a partir desse lugar que os “produtos e serviços” a serem propostos devem iniciar suas discussões. Essa lógica cristaliza as proposições sempre num mesmo padrão quantificável que facilita posteriores avaliações de reconhecimento e recredenciamento. Na mesma proporção que estabiliza os critérios e métodos de ensino e pesquisa numa economia de valores cuja moeda de troca é o “uso” do sistema. A mesma vertente taxológica pode ser percebida ao se analisar os níveis de formação previstos pelo sistema de ensino brasileiro. Cursos de extensão, superiores de complementação de estudos e formação específica, de graduação e de pós-graduação estão num fluxo que não se articula; representa, sim, uma trajetória vertical, linear, baseada em requisitos prévios para acesso aos níveis sucessivos que propõe. O detalhe interessante é que o quadro em si (ver abaixo) não propõe um modelo a rigor. Apenas especifica os detalhes de uma trajetória que pode ser configurada de acordo com as perspectivas singulares de cada instituição. Isso explica a variedade de certificações hoje existentes e que, paulatinamente, têm sido propostas e reconhecidas, ainda que com resistências, dentro do sistema.

Cursos de extensão, cujo certificado tem apenas valor social, distribuem-se na graduação e na pós com a proposição de atualizar e aperfeiçoar conhecimentos técnicos ou acadêmicos, ou ainda qualificar atividades profissionais. No nível de graduação, alunos especiais (matriculados apenas em disciplinas, sem regularidade) só são reconhecidos quando os conteúdos ganham validade num curso regular. Os cursos superiores de complementação de estudos não têm merecido investimento. Esses cursos, no entanto, possuem uma característica interessante na medida em que podem tanto ser ofertados pelas instituições de ensino (destinação coletiva) como propostos pelos alunos (destinação individual). Além disso, permitem proposições de pré-universitários (para quem não tem diploma de ensino médio) e pós-médios (complementares ao ensino técnico de nível médio). Os cursos superiores de formação específica dão diploma, oferecem possibilidade de ingresso em determinados cursos de pós-graduação, mas perderam espaço para os de tecnólogo, também de duração mais curta que os tradicionais cursos de graduação (bacharelado e licenciatura). Isso porque os de tecnólogo são reconhecidos e legitimados pelo sistema para oferecer todas as possibilidades acadêmicas decorrentes no nível subsequente.

Na pós-graduação, há possibilidades ainda inexploradas. No lato sensu, por exemplo, os Programas de Residências ainda estão fortemente vinculados à área da saúde e para alguns cursos tradicionais. Mas esse tipo de certificação pode ser estendido a todas as áreas de conhecimento, o que abre um campo de relação com o mundo do trabalho hoje desperdiçado. Especializações, MBA (Master in Business Administration) e LLM (Master of Law) complementam as possibilidades. No stricto sensu, a discussão em voga é a aceitação dos chamados Mestrados Profissionais em paralelo aos Mestrados Acadêmicos já reconhecidos pelo sistema. Doutorado e Pós-doutorado complementam as etapas de formação. É necessário ressaltar que há aprofundamentos necessários nessa superficial relação de certificações. Cada uma das que foram citadas ainda podem conter desdobramentos, dependendo dos aspectos legais e das normatizações em vigor.

No âmbito dessa análise, contudo, se quer desviar o olhar para outros horizontes disponíveis no mesmo ponto de observação, mas que exigem esforços de movimento. Áreas de conhecimento e campos de saber são contíguos e intercambiáveis enquanto espaço social, sobretudo de aprendizagem. As definições consolidadas pelas instâncias de regulação educacional não deixam quaisquer dúvidas quanto a isso. Conhecimento (e não somente racionalidade) científico e múltiplos saberes estão um para o outro; não são esquemas paralelos de formação. Uma universidade, enquanto espaço social, tem “no conjunto de relações entre os comportamentos das pessoas”, como afirma Botomé (1996)[12], sua identidade institucional. Quanto mais expressivo esse conjunto, maior a possibilidade de pensar coletivamente em soluções comprometidas com o espaço. É ao espaço social acadêmico e não à hierarquia funcional dos lugares de ocupação que as respostas devem ser dadas (ver figura abaixo).

Figura produzida pelos autores
Figura produzida pelos autores

Conhecimento é um termo fortemente vinculado à ciência e seus recursos de inscrição na vida contemporânea. Suas áreas delimitam uma certa medida, um certo espaço de atuação. Pensada assim, uma área de conhecimento se desenvolve pelo aprofundamento e não pela abertura de campo que proporcionaria uma amplitude de espaço a percorrer. Já o termo saber é mais abrangente; conhecimentos, competências, habilidades e atitudes (para ficarmos em concepções reconhecidas, ainda que controversas academicamente) são abarcáveis por ele. Vinculado à ideia de campo como terreno a percorrer, nele se pressupõe o ato de escolha pela delimitação do espaço. Os campos de saber seriam, então, campos abertos e ainda não profundamente delimitados nem reconhecidos pelas epistemologias tradicionais que fundam o conhecimento científico. Estariam sempre na interseção das unidades de classificação do sistema taxológico.

Essa mudança de concepção é importante porque diversifica o ambiente sobre o qual os “produtos e serviços” educacionais se originam. A reconfiguação dos saberes se dá por uma abertura a percursos não-lineares, oriundos de áreas já consagradas pela tradição mas com interseções novas, a serem exploradas enquanto processo. A Educação Permanente propõe um ambiente em que múltiplos saberes estejam disponíveis em campos nos quais as áreas de conhecimento sejam delimitadas pelo movimento de precorrê-los. Movimento coletivo, em que docentes e discentes negociam direção, tempo e circunstância, visto que o percurso está previsto apenas enquanto espaço social acadêmico, enquanto ambiente a ser vivido e cartografado constantemente a partir das dimensões identificadas como fundamento para o deslocamento compromissado com esse espaço em construção.

Um outro espaço social possível para a docência: para abrir as perspectivas

É interessante pensar na universidade como um “ponto privilegiado de encontro entre saberes” (SOUZA SANTOS, 2003: 224). Significa dizer que, na atualidade, está na “configuração que proporciona” e não mais no centro de produção e transmissão de saberes a sua principal característica. Assim, a ambiência universitária constitui-se da “multivocalidade” que singulariza essa configuração para além de comparações “mensuráveis pela mesma unidade de medida”. Nesse lugar de encontro multivocal, a docência deve representar “um processo que pode, na melhor das hipóteses, sugerir, nunca impor, seus resultados” (BAUMAN, 2008: 177). Isso porque já não é mais possível, ainda que se insista nessa tarefa, guiar a formação para se chegar num alvo projetado por princípio. A vida e os compromissos decorrentes não podem mais ficar descolados dos processos educacionais, ou o preço de ninguém se sentir encarregado por eles ficará cada vez mais caro.

Se é de um novo “sentido praxeomórfico”, um outro “lugar epistemológico” de construção que falamos, está na docência os primeiros passos para essa transformação. É a partir dela que os saberes têm oportunidade de reconfiguração; que os conhecimentos “monodisciplinares”, fragmentados e especializados devem ser substituídos por uma nova práxis, capaz de romper com o “modelo aplicacionista” (TARDIF, 2000) em que a vida, seja ela profissional ou não, só é vivida depois que os fundamentos para a ação são ensinados em seus conceitos. Reconfigurar saberes não é o mesmo que reconfigurar suas certificações. Por isso mesmo, áreas de conhecimento e campos de saber como espaços para a docência em educação permanente são o alicerce do processo. Busca-se privilegiar a multivocalidade, a interseção entre conhecimentos e saberes instituídos, com o firme propósito de ambientar a vida acadêmica, não de apenas projetar novos espaços padronizados em busca de reconhecimento por critérios de mensuração com tendência a homogeneizarem-se. O reconhecimento é decorrência do ambiente e de como ele se articula.

Num mundo em que ninguém pode (embora muitos o façam, com consequências que variam de irrelevantes a desastrosas) antecipar o tipo de especialidade que será necessário amanhã, os debates que possam precisar de mediação e as crenças que possam necessitar de interpretação, o reconhecimento de muitas e variadas formas e cânones de aprendizado superior é a condição sine qua non de um sistema universitário capaz de se opor ao desafio pós-moderno. (…) “Preparar-se para a vida” – aquela tarefa perene e invariável de toda educação – deve significar, primeiro e sobretudo, cultivar a capacidade de conviver em paz com a incerteza e a ambivalência, com uma variedade de pontos de vista e com a ausência de autoridades confiáveis e infalíveis; deve significar tolerância em relação à diferença e vontade de respeitar o direito de ser diferente; deve significar fortalecer as faculdades críticas e autocríticas e a coragem necessária para assumir a responsabilidade pelas escolhas de cada um e suas consequências; deve significar treinar a capacidade de “mudar de marcos” e de resistir à tentação de fugir da liberdade, pois com a ansiedade da indecisão ela traz também as alegrias do novo e do inexplorado (BAUMAN, 2008: 176 e 177).

O compromisso de formar ao longo de toda a vida depende fortemente dos laços consolidados no ambiente acadêmico. Cremilda Medina (2006) identifica “as pegadas de uma continuidade que não se desmancha no ar” na “diáspora dos ex-alunos” que por ela passaram, resultado de uma experiência pedagógica afetiva e voltada ao outro. Considerando que “diáspora” e “ex-alunos” são termos que não combinam com as concepções de uma educação permanente, os argumentos de Medina se atualizam pelo comportamento que inspiram; pela noção de docência preocupada com a reconfiguração dos saberes para além dos muros universitários. Os laços permanecem quando o processo é regido sob “o signo da relação” (MEDINA 2006).

É neste contexto que se pode analisar as condições de possibilidade para uma outra proposta de estruturação universitária. Como sugere Maurice Tardif (2000), os saberes da docência não se restringem aos conteúdos programáticos, aos conhecimentos universitários. Os saberes docentes estão também muito relacionados às suas histórias de vida e experiências exploratórias no campo da educação; partem de diferentes fontes e se propõem a atingir diferentes objetivos simultaneamente; e dificilmente se consegue dissociá-los dos traços de personalidade e das características do ambiente de trabalho. Falar de afeto e de generosidade, por exemplo, aspectos fundamentais na reconfiguração de saberes por áreas de conhecimento e campos de saber, depende de ações que sustentem o discurso sobre a docência; experiências a serem compartilhadas no ambiente da vida acadêmica também como conhecimento em processo de construção.

Nossas salas de aula, atualmente, respiram homogeneidades; de sonhos, de perspectivas, de resultados. No momento em que esse espaço valorizar a alteridade e a construção coletiva de diferentes trajetórias, os responsáveis por ele precisam estar preparados para lidar com a mesma multivocalidade que o ambiente propõe organizar. Nesse ambiente, diplomas e titulações estão para o conhecimento, para a aprendizagem, para a valorização dos saberes; não o contrário. Temos aí uma outra reconfiguração necessária, mas que não cabe neste breve estudo; o que não significa dizer que esteja sendo desconsiderado. É preciso pensar, administrativamente falando, em novas formas de valorização que permitam a potencialização desse ambiente acadêmico reconfigurado. Lidar com estruturas flexíveis, produtos resultantes de processos dinâmicos, em que o conhecimento esteja em primeiro plano e as relações sociais (dentro e fora da instituição) sejam estruturantes nesse outro ambiente pede também uma outra postura administrativa. A docência, como função, conseguirá dar passos na reconfiguração de saberes quando o próprio ambiente acadêmico estiver estruturado para permitir os avanços necessários. Nesse sentido, os passos dependem de processos administrativos que sirvam de suporte para as ações propostas e não como modelo de configuração do ambiente. Contudo, sem novas proposições que desafiem o sentido de organização tradicionalmente estruturado ficaremos confinados ao mesmo espaço, composto por lugares de passagem, lugares de constante deslocamento em busca de objetos de desejo que nos autorizam o movimento no tempo de um percurso. O espaço social de aprendizagem compromissado com a educação ao longo de toda a vida precisa ser vivido em processo; não apenas estruturado como modelo.

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[1] A expansão iniciada nos anos 70 do Século XX ganhou força a partir de 1995 e chegou a 74,57% dos 4.880.381 matriculados no sistema em 2007; também em 2007, 89,1% das 2.281 IES reconhecidas pelo Censo do Ensino Superior são do setor privado. Naquele ano, 47,5% das vagas ofertadas para ingresso no sistema (1.341.987) não foram preenchidas. Não por acaso, apenas 8% da população brasileira têm curso superior completo, segundo os dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Some-se a Taxa de Titulação Média no Brasil, de 47,8% segundo o censo em 2006.

[2] Como os seres humanos tendem a conceber o mundo, a partir do que podem fazer e de como o fazem usualmente. O termo é usado por Zygmunt Bauman (1997) no contexto de valores éticos e morais da contemporaneidade.

[3] O Século XX trouxe o contexto empresarial, dos fins planejados e projetados como “local epistemológico de construção” do mundo, segundo Zygmunt Bauman (2001), em que o know-how do dia voltado para a eficácia e a eficiência tornou-se estruturante, teve sua expressão maior na lógica de funcionamento da Ford enquanto instituição-símbolo da modernidade. E foi adotado, inclusive, pela academia. Sucintamente, a cesura entre projeto e execução, iniciativa e atendimento a comandos, liberdade e obediência, invenção e determinação, em que “o entrelaçamento dos opostos se dá pelo comando do primeiro ao segundo”, engendrou um modo de ser em que a criação se estabelece pelo cálculo dos meios para se chegar a determinados fins.

[4] O entendimento de que ensino e aprendizagem estão em “oposição” um ao outro diz mais respeito à hierarquização característica da relação de quem ensina e quem aprende. O pressuposto básico dessa “oposição”, desses lugares distintos de ocupação no processo de diálogo com o saber, é a própria ordem estabelecida no espaço circunscrito à sala de aula e o tempo planejado pela rotina de ocupação desse espaço. Grosseiramente, a disciplina deve chegar a um determinado lugar na escala de saberes propostos pelo docente; aos discentes resta fazer o esforço de chegar lá e provar que o conseguiram. Há experiências menos ortodoxas em andamento, mas as próprias diretrizes educacionais não são percebidas como possibilidade de transformação desse processo.

[5] Claudio Cordeiro Neiva e Flávio Roberto Collaço, no livro Temas atuais de educação superior: proposições para estimular a investigação e a inovação, afirmam que há um hiato entre as perspectivas legais, que evidenciam uma abertura na composição do sistema de ensino brasileiro, e as diretrizes curriculares nacionais. Resultado de um excesso de imposições normativas que inibem a inovação, as IES mergulham na falta de percepção das “imensas oportunidades que esse posicionamento abre para que possam se adaptar a uma nova realidade”. Neiva & Collaço apontam uma “cultura do medo” sintetizada pela “irresistível tendência de [as IES] se manterem submissas às exigências despropositadas da burocracia atrasada” das instâncias regulamentadoras.

[6] Ainda que haja uma generalização aqui evidenciada, não há como negar que as discussões sobre projeto pedagógico, culturalmente, levam em consideração com maior ou menor peso, disciplinas contempladas a partir do campo de domínio do corpo docente. Pode-se discutir a medida, mas não a intenção de garantir o lugar de ocupação docente via projeto pedagógico.

[7] Palavra cunhada para designar a junção de educação com entretenimento.

[8] O pesquisador José Luiz Braga usa o termo com propriedade em trabalho apresentado no Intercom Sul – VII Simpósio da Pesquisa em Comunicação, realizado em Curitiba no mês de maio de 2006, intitulado Ensino e pesquisa e comunicação: da teoria versus prática à composição contexto & profissão. Segundo ele, há uma cesura entre teoria e prática caracterizada sobretudo pela ideia de que a primeira está relacionada aos modos de conhecer e a segunda aos modos de saber fazer. Relacionada às práticas profissionais, a graduação permanece vinculada quase que exclusivamente ao ensino. A pesquisa pertence aos níveis de aprendizagem para além da graduação, entendidos como mais próximos das concepções teóricas.

[9] Disponível em http://www.memoria.cnpq.br/areas/cee/proposta.htm#doc. Último acesso em 30 de setembro de 2008.

[10] O termo “aplicações práticas” aparece no documento proposto pelas agências de fomento e pode ser entendido como denominação diferenciada para a ideia de extensão. Cabe, contudo, a ressalva de que o termo pode se inserir também na perspectiva de saberes oriundos dos campos de atuação profissional ou de atividades sociais genéricas não legitimadas pelo exercício técnico-profissional.

[12] Para o pesquisador Silvio Botomé, o comportamento é entendido como a relação entre as características de uma situação, a resposta apresentada diante dela e as ações que resultam numa situação nova. Nesse contexto, habilidades e competências são qualidade desse comportamento. Nessa dimensão comportamental, o processo de formação está para além das demandas sociais e deve ser orientado pelos aspectos constitutivos das relações em sociedade.

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